Por Sá
de João Pessoa
Finalmente a inclusão da Literatura de
Cordel na biblioteca de patrimônios culturais brasileiros toma forma. Já não era sem tempo, porque desde muito se
ouvia o reclamo dos poetas populares na busca de espaço próprio para
formalizar a convivência entre os demais bens culturais já reconhecidos. A premência
se fazia desde a criação, em 2004, do Departamento do Patrimônio Imaterial, sob
a batuta do Iphan e do Centro de Folclore e Cultura Popular.
As raízes desse reconhecimento remontam
ao movimento modernista que aflorou nos anos 1920, que deve a Mário de Andrade
a iniciativa: ele que intuiu a necessidade de incorporar a cultura popular em
meio ao fluxo da agitação que se dava naquele momento. Com intuição visionária
Mário de Andrade soube atrair um grupo para embarcar no trem da cultura popular
e logo no percurso aderiram ao agito Luis Saia, Oneyda Alvarenga, Câmara Cascudo, entre outros.
Além
do mais, com o poder de persuasão e sedução que possuía, Mário de Andrade
conseguiu tirar o jovem Luís da Câmara Cascudo dos caminhos naturais da
literatura, fazendo convergir seu interesse em torno da cultura popular
nordestina. Com isso só o país ganhou...
Entre
idas e vindas toda essa discussão – como é habitual no Brasil – ficou em
banho-maria, vindo ressuscitar em 1988, na bíblica Constituição Cidadã (no
dizer de Ulisses Guimarães), que em seu artigo 216 define como patrimônio
cultural “os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Ainda
assim, só alguns anos depois o país veio ratificar a Convenção da UNESCO para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2006). Determinar os bens de
natureza imaterial, no entanto, se converte em penoso labirinto no qual o
interessado em desvendá-lo se emaranha faz muito tempo. É uma construção tijolo a tijolo, pedra a
pedra...
Seguir
à risca o texto do artigo 216 é uma aventura à parte, pois lá “os bens de
natureza material e imaterial” estão assim fixados: I - as
formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III -
as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico.
Como
se vê, é difícil achar uma brecha para incluir a Literatura de Cordel, embora
se saiba que não há dúvida em considerá-la um patrimônio do nosso povo – como
também de muitos povos latino-americanos. É caso a se tratar com a mesma
tenacidade com que Mário de Andrade cuidou, com esforço sem esmorecimento,
muitas vezes pregação no deserto, como alguns muitos cordelistas vêm fazendo em
todos os rincões em que a Literatura de Cordel prospera.
Agora
é hora dos moços entrarem em ação. Com o advento da internet o Brasil se
coalhou de sites de cordelistas que não só divulgam a própria produção, como
reacende a história percorrendo o caminho dos pioneiros, propalam suas raízes,
anunciando a boa nova aos quatro cantos.
Os
jovens poetas de cordel estão disseminados em todo o país. A fronteira
nordestina da Literatura de Cordel se moveu até são Paulo, cidade em que os
descendentes de emigrantes daquela região apregoam a poesia popular, espalham
as novas publicações, expressam e noticiam os temas mais atuais na rima fácil
das sextilhas. São muitas as vozes que proclamam, propagam, descobrem e desvendam para os
calouros os segredos de sua cantoria.
Um
novo ciclo começa nos novos autores que agarram com unhas de caranguejo os ares
da modernidade que a internet trouxe, criam espaços inéditos para mostrar e
publicar todo o conhecimento que adquiriram, tanto em estudo próprio como em reminiscência
hereditária, e assim revelam um abundante material, rico e sólido, capaz de
enterrar de vez o ciclo de morte e ressurreição que aterroriza a Literatura de
Cordel desde sempre.
Porém
a batalha só começou. Para culminar com o reconhecimento da Literatura de
Cordel como bem imaterial existe uma longa estrada a percorrer. Todo esforço
dos cordelistas deve se voltar para esse objetivo, divulgando, acumulando,
protegendo e encaminhando para pesq.foclore@iphan.gov.br as informações
pessoais, o legado de conhecimento, itens de acervo, elementos comprobatórios e
subsídios. Mesmo aqueles detalhes considerados sem importância terão
acolhimento, pois têm valimento na instauração do pedido e obtenção do título de
Patrimônio Imaterial para a Literatura de Cordel.
No Rio de Janeiro a burocracia está
sendo enfrentada com denodo e coragem pela equipe do Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular - CNFCP (Setor de Pesquisa) - Rua do Catete, 179 -
Rio de Janeiro (RJ) - CEP 22220-000 - Tel.: (21) 3826-4317 e (21) 3826-6930. Liga pra lá e procura a Ana Carolina! Para
melhor informação, visite o site: http://www.cnfcp.gov.br.